Quem sou eu senão
um grande sonho obscuro em face do Sonho
Senão uma grande
angústia obscura em face da Angústia
Quem sou eu senão
a imponderável árvore dentro da
noite imóvel
E cujas presas
remontam ao mais triste fundo da terra?
De que venho
senão da eterna caminhada de uma sombra
Que se destrói à
presença das fortes claridades
Mas em cujo
rastro indelével repousa a face do mistério
E cuja forma é
prodigiosa treva informe?
Que destino é o
meu senão o de assistir ao meu Destino
Rio que sou em
busca do mar que me apavora
Alma que sou
clamando o desfalecimento
Carne que sou no
âmago inútil da prece?
O que é a mulher
em mim senão o Túmulo
O branco marco da
minha rota peregrina
Aquela em cujos
abraços vou caminhando para a morte
Mas em cujos
braços somente tenho vida?
O que é o meu
Amor, ai de mim! senão a luz impossível
Senão a estrela
parada num oceano de melancolia
O que me diz ele
senão que é vã toda a palavra
Que não repousa
no seio trágico do abismo?
O que é o meu
Amor? senão o meu desejo iluminado
O meu infinito
desejo de ser o que sou acima de mim mesmo
O meu eterno
partir da minha vontade enorme de ficar
Peregrino,
peregrino de um instante, peregrino de todos os instantes
A quem repondo
senão a ecos, a soluços, a lamentos
De vozes que
morrem no fundo do meu prazer ou do meu tédio
Qual é o meu
ideal senão fazer do céu poderoso a
Língua
Da nuvem a Palavra
imortal cheia de segredo
E do fundo do
inferno delirantemente proclamá-los
Em Poesia que se
derrame como sol ou como chuva?
O que é o meu
ideal senão o Supremo Impossível
Aquele que é, só
ele, o meu cuidado e o meu anelo
O que é ele em
mim senão o meu desejo de encontra-lo
E o encontrando,
o meu medo de não o reconhecer?
O que sou eu
senão ele, o Deus em sofrimento
o temor
imperceptível na voz portentosa do vento
O bater invisível
de um coração no descampado ...
que sou eu senão
Eu Mesmo em face de mim?
(Vinicius de
Moraes)
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